Imigrante no Japao- 1993


 

Imigrante no Japão- 1993 

 Chegamos no Japão, eu com minha família, duas filhas e o marido nativo do Japão. Era mês de agosto, estava calor e era o mês das festas, então tivemos muitas festas para ir. 

Eu fui a uma festa no interior, soltaram muitos fogos de artifício, todo mundo de quimono, nunca tinha visto tantos fogos lindos, durante uma hora e meia sem parar teve apresentação de fogos. Esta festa foi no meio das montanhas, a iluminação era só de lampiões coloridos e dos fogos de artifícios. Os fogos mais bonitos estão por aqui mesmo, pois foram os chineses que inventaram os fogos de artifício. Tem até fogos especiais para as crianças brincarem, até as crianças de dois anos brincam com fogos feitos especialmente para a idade deles, eu fiquei deslumbrada com os fogos para crianças, minhas filhas se divertiam muito nestas festas. Eu aproveitava e brincava também com os fogos. O máximo de fogos de artifício que eu tinha visto até então, eu ainda era criança no Brasil, era um bombril que a gente enrolava e deixava comprido, colocava fogo, então a gente girava o corpo com o bombril na mão e ficava feliz de ver as faíscas voarem.  

Tem vários tipos de comidas típicas que come nestas festas, parece uma quermesse do Brasil que com muito mais comidas. É muito interessante meio de tanta tecnologia, tanto desenvolvimento acontecem estas festas tradicionais. Do Zen a mais alta tecnologia. 

 

Depois desta festa nas montanhas, voltei com minha família para Tokyo 

 

Em Tokio todos os lugares são bem apertados e em um espaço bem pequeno tem uma loja que vende de tudo, tem tantas coisas que nem dá para imaginar como é que cabe tantas coisas. 

Realmente, não pode andar à vontade, brincando, correndo, porque logo esbarra em alguém.  Quem vai anda de um lado e quem volta do outro lado e todo mundo anda direitinho. Até eu descobrir isto demorou um pouco, então eu sempre estava atrapalhando o caminho.  

As ruas também são tão apertadas que um carro passa e o outro tem que esperar a vez. Para mim era tudo novidade, eu nunca tinha saído do Brasil. A porta do taxi que abre e fecha sozinha me impressionou bastante, quando vi foi que caiu minha ficha que eu estava no Japão, no oriente, além de que o volante também fica do lado oposto ao nosso do Brasil. 

No centro de Tokio, na hora de atravessar a rua, ou sair do trem, é aquela multidão tão grande que parece a saída de um estádio de futebol em dia de jogo clássico.  O lugar onde tem mais gente atravessando a rua ao mesmo tempo fica em Tokio, Shibuya, um lugar legal para passear, então eu sempre que podia ficava nas ruas de Shibuya vendo o movimento de pessoas. Foi neste lugar em frente a Estacao de Shibuya que se passa a historia do cachorro Akita. Clique neste link para conhecer a essa historia deslumbrante

A Sra. Sanaka uma senhora japonesa de 70 anos, parte da nossa, da minha família agora, mora sozinha no centro de Tokio, pega o metro todos os dias para ir ao trabalho, tem uma boa saúde e gosta do trabalho que faz.  

Todos os dias ela tem que ir trabalhar de quimono, aprendi muito com ela sobre etiqueta japonesa, comida e como se arrumar. Ela trabalha em uma loja de quimono, vende quimono e ensina as mulheres como usar o quimono, qual quimono que serve para cada ocasião. Cada tipo de quimono serve para uma ocasião diferente, portanto não é qualquer pessoa que conhece todos os tipos de quimono, precisa ser especialista na área para dar essa consultoria. Ela recebe um bom salàrio para isso. Na casa dela è tudo típico, ela sempre serve o chá verde para nós. Todos nós gostamos de ir à casa dela, e ela sempre dá dinheiro para as crianças.

 

Quando chegamos no Japão pela primeira vez a Senhora Sanaka nos deu um envelope como presente de casamento, um envelope com muito dinheiro, disse assim: “- Desculpe que eu só posso dar este pouquinho!” Em ocasiões especiais os japoneses dão dinheiro de presente, casamento, ano novo e nascimento, mudança de casa, entre outras ocasiões .

 

Sobre os sentimentos 

 

Para os japoneses é um ponto fraco mostrar seus sentimentos, nunca vamos ouvir um japonês falar o que ele quer fazer no futuro, ou mostrar seus sentimentos, eles dizem que se você mostrar seus sentimentos, seus desejos, pode atrapalhar o outro. Se o outro estiver triste e você mostrar alegria, não pode, tem que ter compaixão pelo sentimento do outro. Ou o outro está feliz e você está triste pode atrapalhar também. Portanto eles têm sempre essa expressão de serenidade no rosto, mesmo que por dentro estejam cheios de alegria, tristeza, raiva, compaixão etc.  

 

Esta expressão de serenidade é visível só por fora mesmo, para perceber que por dentro eles estão agitados, fazem tudo rápido, andam fazendo barulho, batem portas. Quando você convive aqui é mais fácil entender, parece que é algo que paira no ar, que a gente não vê, mas está e que contagia a todos. É mais ou menos isto, ser contagiado pelo sentimento dos outros.  No Brasil às vezes a gente não é contagiado pela alegria? No carnaval, por exemplo, quando você entra em um bloco de carnaval, você pode até estar triste, mas aos poucos vai ficando alegre.  Aqui também o humor deles contagia a gente, por isso parece que estamos sempre tristes, mas na verdade eles não estão mostrando sentimento nenhum. 

É quase impossível para os ocidentais fazer uma análise da cultura japonesa, a não ser que se estude muito e conviva muitos anos no Japão. Qualquer análise feita por um ocidental vai ser a partir do ponto de vista ocidental e aqui é oriente e o ponto de vista só será correto se tiver uma visão oriental. E como a beleza oriental, se você olhar do ponto de vista da beleza ocidental nunca vai ver um japonês bonito, mas a partir do ponto de vista da beleza oriental tem muitos japoneses bonitos. Podemos até achar isto ou aquilo, mas nunca saberemos se realmente corresponde à realidade.  

 

No começo eu ficava invocada, sem entender, alias eu não entendia nada, e quando eu falava assim: “- Estou sentindo uma dor nos quadris”. Logo no outro dia meu sogro e minha sogra também estavam com a mesma dor. Com tudo isto de ter que perceber o que o outro está sentindo para poder expressar seus sentimentos a pessoa tem que tomar muito cuidado.  

Na tentativa de descobrir o que a outra pessoa está querendo, que ninguém fala o que quer não se olham diretamente para os olhos, mas para onde o teu olhar está dirigido. Tem certas pessoas que chegam ao cúmulo de te perguntar se você quer aquilo para o qual está olhando. Também eles dizem que os olhos são a porta para a alma, e não é de bom tom ficar olhando a alma das pessoas. Então eles olham sempre na altura do peito da gente  

Quando estou pensando que acertei algo na relação com alguém estou enganada, continuo dando muitos foras. Às vezes tento deixar de tratá-los com os modos japoneses e trato com os modos brasileiros mesmo que é mais fácil. As relações humanas são complicadas e parece que aqui complicaram mais, querem ser muito bem tratados e tem que ficar pedindo desculpas a toda hora, até enjoa. Tanta gentileza, tanta educação, mas nem sempre sai do fundo do coração, são só regras sociais mesmo. A disciplina é fundamental neste país, quem não consegue seguir regras e ter disciplina vai passar apuros, eu passei muitos.

 

Boas maneiras 

 

Se você conversa com alguém não pode colocar as mãos nos bolsos, nem cruzar os braços, porque a pessoa pode pensar que está fazendo pouco caso dela. Tem várias linguagens corporais que os japoneses sabem como reagir. Eu como não sei nada, estou sempre do jeito como eu sou mesmo, aliás eu nem sabia dessa linguagem corporal. A fama dos brasileiros é a de que não ouvem as histórias dos japoneses, porque sempre conversam com as mãos no bolso ou com braços cruzados.  

Sempre agradando uns aos outros, dando presentes ou ensinando algo. Mostrar carinho aqui não é abraçar, beijar, andar de mãos dadas, falar que gosta desta pessoa, e sim ensinar algo a ela, por isso que minha sogra vive querendo me ensinar os trabalhos caseiros. Ela sempre quer me ensinar como estender roupa, dobrar roupa, eu sempre achei que sabia, mas aprendi muito com ela. O pior é quando não estou com vontade de fazer algo e tem que fazer, e ainda prestar atenção nos ensinamentos porque ensinar e um ato de amor. Jesus Socorro! 

Minha amiga alemã que mora no Brasil disse uma vez que no Brasil é fácil fazer amizades, é só falar: “- Oi meu querido, você é lindo, eu gosto tanto de você”. Pronto já fez um amigo! Aqui não tem essa, demora anos para fazer uma amizade, mas quando faz tem muita fidelidade. 

Morando no Japão, parece que toda aquela nossa educação não serve mais, os valores aqui são outros. Não dá pra usar a mesma simpatia pra conquistar, abrir-se e contar seus segredos, seus sentimentos, você pode ser mal interpretado. Sinto-me as vezes com pés e mãos atadas e me fecho um pouco, não sei como agir. Tem gente que sempre cobrou de mim que me comportasse como uma japonesa ou que pelo menos tentasse. Uma vez meu marido me explicou que se comportar como os outros é só ir fazer o que os outros estão fazendo. Se eles estão sentados você fica sentado, se estão em pé fique em pé.  

Teve uma vez que estavam preparando a mesa para o almoço. Alguns ajudando, aliás, todos, e algumas mulheres preparando o chá. Mas não precisava todo mundo ajudando, nem tinha tanta coisa para fazer, eu fiquei observando e vi que havia pessoas que estavam só fingindo que estavam ajudando. Meu marido falou para mim: “-Você percebeu que só você e aquela velhinha de 86 anos está sentada” e eu com 29 anos sentada. E era mesmo!  

   

O casamento do futuro imperador- Hierarquia  

   

Neste mês foi o casamento do filho mais velho do imperador. Para alegria da nação ele arrumou uma noiva, bem bonita, parece que eles estudaram juntos na mesma escola. Todos estavam preocupados se ele não ia se casar, porque estava passando dos 30 anos. Se ele não se casasse complicava, porque se ele não casa o irmão mais novo tem que ascender ao trono do Crisântemo, que é o nome deste império do trono japonês. Finalmente ele encontrou essa namorada e eles foram explicar em rede nacional da tv porque resolveram casar-se. Eles não podem simplesmente se casar, tem que dar explicação de tudo que vão fazer. Aliás, eles vivem com o dinheiro dos impostos do povo japonês, por isso a obrigação de vir em rede nacional explicar. Daí para frente não existia outro assunto nos meios de comunicação, a não ser o casamento do príncipe. Naqueles programas populares de televisão só passava assunto sobre eles, a roupa, o sapato, o cabelo, o chapéu, as preparações para o casamento.  Eu que cresci sem televisão para mim era o maior evento do mundo. Agora eu tinha televisão, é óbvio que eu não saia mais de frente da TV. Pensava que história de reis e rainhas só existisse em contos de fadas dos Irmãos Grimm. Para minha filha foi uma surpresa saber que existe imperador, imperatriz, príncipe, princesa. Minha filha de 7 anos desde pequena ouve contos de fadas todos os dias. E ela começava a perguntar se a princesa não era má, ou era boa. Foi uma confusão na cabecinha dela, e sempre me perguntava:  

“- Mãe é verdade que a princesa é a mais bonita do Japão? Que a bolsa dela é a mais bonita? Você queria ser a princesa do Japão?” Eram muitas questões. Claro que eu queria ser a princesa do Japão falei para ela, para ver como seria.  

A noiva do príncipe tem que passar por um treinamento para aprender como se comportar como princesa e futura imperatriz. A princesa vai herdar o trono japonês, e todas as joias da imperatriz atual, isso quando a rainha sair do trono que eu nem sei quando isso acontece. 

Chegou o dia do casamento deles, toda a cerimônia passou na tv. Eu achei a coisa mais linda que já tinha visto na minha vida. Ela usou dois vestidos, de cerimonia um ocidental, aquele vestido de noiva que a gente já conhece e o outro um quimono, vestido tradicional do Japão O quimono dela foi lindo, provavelmente demorou horas para colocar porque é um quimono em cima do outro. Deve ter mais ou menos uns oito quimonos por baixo do quimono principal que todo mundo .  

 

A cerimônia foi toda do mesmo jeito que foi há dois mil anos, e será sempre assim. Primeiro eles foram a um templo, com aquelas roupas, quimono, que mais parece aquelas roupas de bonequinha de papel., Tinha umas amas que ajudavam a noiva a carregar a roupa do corpo, porque o quimono é muito pesado, este quimono é o mesmo modelo que foi usado pela imperatriz de dois mil anos atrás quando ela se casou, e foi passado de geração a geração.  Na realidade o vestido da imperatriz de dois mil anos atras está guardado e então fazem uma réplica para as noivas que ascendem ao trono. Após o casamento oficial o casal foi dar a volta nupcial pelo centro da cidade, estava um dia claro e o céu muito azul, aquele azul bem claro, foi um lindo dia. Todos os lugares por onde eles passavam estavam cheios de gente abanando a bandeira do Japão. Teve até gente que chegou de madrugada na rua para reservar o melhor lugar. O que percebi nestes dias foi que toda essa maneira de ser do povo tem a ver com essa tradição de imperadores. Tem esta hierarquia, onde sempre tem um que fica em cima e os outros abaixo. La em cima está o casal de imperadores, abaixo deles as amas que têm contato direto com eles e abaixo os músicos, depois vem as comidas junto com os ministros, então abaixo dos ministros os guardas, e depois os utensíios principais usados pela família imperial, a liteira, o espelho, a espada, os animais e assim vai. Ao lado, os da família que não são da família imperial são os parentes sabe, são e não são entende? E abaixo de todos vem o povão que trabalha para sustentar o luxo da família imperial e dos parentes, porque eles não trabalham. Nunca pegaram em uma vassoura. Estão ali para conservar a tradição e se envolvem em alguns assuntos políticos. 

Vocês podem ver essas bonecas na foto que está acima deste texto.  

Dá para perceber isso melhor ainda quando observamos a forma como eles colocam as bonecas no dia da festa das meninas, que e comemorado todo ano no dia três de marco. Cada família colocam suas bonecas para as meninas. Claro que na casa da senhora japonesa Sanaka, teve uma grande festa para as minhas filhas, as bonecas foram montadas e tudo ficou maior que minha filha. Eu nunca tinha visto de novo uma coisa tão linda em toda minha vida. 


As unicas coisas que eu não gostei de ver no Japao foram os espíritos, mas isto e uma outra historia, um dia eu conto aqui para vocês.

  

 @direitosautoraisreservados

     

 



Comentários

Mais visitadas

A viagem de Laura - brasileiros no exterior- Blog

Kinkaku ji- O templo de ouro - Kioto, Japão

Mae e filha vivem Sonho Americano